quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Depoimento Dirce de Paula Santos



Dirce de Paula Santos Julho 2011

Meu nome é Dirce de Paula Santos, nasci em 14 de agosto de 1922, em Campos Novos Paulista.
Minha mãe era sanroquense, Noêmia Justo dos Santos e o meu pai de Sorocaba, Edmundo de Paula Santos um professor que dominava vários idiomas.
                                                                         (foto: acervo Dirce de Paula Santos)

Meu avô materno era Tibério Justo da Silva e por parte do papai, Francisco de Paula Santos e as avós, as duas, se chamavam Benedita.
O avô paterno, Tibério foi o primeiro professor de São Roque, tem uma Escola e uma Avenida com o nome dele aqui na cidade. Ele veio para o Brasil no meio de escravos, quase o colocaram como escravo também, mas os feitores observaram e o separaram.

                                                                            Tibério Justo da Silva e familia

Ele casou-se duas vezes, teve vários filhos, Tio Quinzinho, Tia Ofélia, Tia Cilda, Ademar e tia Geni, todos falecidos. Meu avô materno também era professor. Minha mãe era professora substituta na região de Canguera, quando era tudo mato, terra, tinha que ir de charrete.

Minha ascendência é diversa, não me lembro muito bem, tem um pouco de italiano, mulatos e parece que de longe alemão. Meu pai era da região de Sorocaba/Itapetininga, ele era contra o governo, então foi perseguido e o enviaram para Campos Novos Paulista, onde os bois dormiam na rua, a comunicação era muito difícil, a iluminação era a lampião e até determinada hora no inicio da noite.
Morei em Campos Novos até os meus 9 anos. Meu irmão foi convocado para a Revolução de 1932 e meu pai ficou muito nervoso porque lá a comunicação era muito difícil.
Tenho 5 irmãos, só eu mulher, o mais velho era irmão por parte de pai apenas, mas nós éramos muito unidos, mamãe fez questão disso, porque ela era a segunda mulher do papai e o criou desde os dois anos, então nos ensinava a respeitá-lo como irmão mais velho. O nome dos meus irmãos: Francisco, Tibério, Dirce, Augusto e Sinésio de Paula Santos.
De Campos Novos, mamãe veio pra São Roque, porque meu tio Sinésio, irmão dela, tinha um casarão aqui, mas logo depois meu pai ficou doente e mudamos pra São Paulo, tudo isso entre nove e dez anos.
Papai ficou internado por um tempo, íamos visitá-lo com a mamãe. Quando ele saiu viveu mais um pouco, mas morreu aos 48 anos. Então mamãe pensou que seria difícil ficar com os filhos pequenos sozinha, em São Paulo, porque na época não tinha pensão do marido, era Monte pio, davam uma quantia de uma vez só e era pouca, então ela conversou com os irmãos e disse que viria morar em São Roque.
Mudamos então para o bairro Santa Quitéria, eu vinha no Grupo Bernardino de Campos, atravessava o Jardim, a Praça da Republica, o Rio Carambeí, passava dentro do jardim, bem depois é que afastaram o jardim pra fazer a avenida.

Jardim ou Praça da República. Foto: acervo do grupo do facebook- SOS Patrimonio Histórico de São Roque

Ficamos ali um tempo e com o dinheiro do Monte pio ela deu entrada na casinha da Praça dos Expedicionários. Essa foto que eu tenho é na Praça, era mato, tinha sapo eu tinha medo, os meninos davam pontapé no sapo.

                              Praça dos Expedicionários antes de urbanizar- foto do acervo Dirce de Paula Santos

 Eu fui muito moleca quando criança brincava de pular corda, roda, amarelinha, na rua. Na praça tinha brejo, grama, mas tinha rua. Eu sentava no portão com meus irmãos e a turma de crianças dali de perto, eles sentavam e eu contava historias de medo, representando, com vozes e o corpo, eles iam se encolhendo de medo. Eu era mandona, defendia meus irmãos, principalmente o Tibério que era tímido.
Na minha juventude a diversão era ir à matinê do Cine São José, aos domingos. Tinha series de filmes e a gente ficava sofrendo até o outro domingo pra ir no matinê, era 500 réis, mas pra eu ir tinha que levar Sinésio e dois amigos, mas eu adorava, ia numa boa.

                                                Foto: acervo Dirce de Paula Santos
Quando fiquei mais mocinha, ia ao São Paulo Clube à noite, todas tinham namorado eu não, não gostava de quem gostava de mim e de quem eu gostava não gostava de mim. Os rapazes também não chegavam muito perto porque tinham medo dos meus irmãos, naquele tempo se olhar casa, ou não olha, era um absurdo, mas eu também não queria.
Eu queria era dançar e dançava mesmo, puxava o cordão, que descia lá do Largo São Benedito, Jazz Band, na frente tocando e as balizas, que seguiam, eu me exibia que nem louca, porque eu queria que o São Paulo Clube ganhasse.
Os partidos políticos eram PRP contra governo, e PC era do governo, o Dr. Julio Arantes de Freitas e o Dr. Marcio Reis, que já faleceram, eram de lideres do São Paulo Clube PRP e o Argeu era da Literária PC.
Eu freqüentava o São Paulo Clube, havia uma Rivalidade entre a Literária cujo prédio está na Praça da Matriz esquina com a Rua 15 de Novembro

                                                     Prédio da Literária 2010- foto: Denise Boschetti

e o São Paulo Clube que ficava em cima do também extinto Bios Bar, quem freqüentava um Clube não entrava no outro, nos encontrávamos na Praça da Matriz. O São Paulo Clube ganhava pela animação.






casa do Dr.Julio Arantes de Freitas
(importante medico da cidade)
foto: Denise Boschetti 2011






Darcy Penteado
Minha amizade com o Darcy Penteado vem desde a mãe dele, eles eram todos do São Paulo Clube, a família tradicional,  os Campos.
No Carnaval saíam os Blocos e eu e o Darcy que comandávamos os blocos das crianças e dos mais velhos, pra concorrer com a Literária, eu era um tipo baliza.
No São Paulo Clube nós fazíamos café pra ficar acordados e não acabar o baile, tava começando a missa e nós lá dançando. E não podia, tinha que parar, mas como a Literária não parava o São Paulo também não podia parar. Aí o pai do Zé, o Sr. Antonino Dias Bastos, Nino, uma figura, ele foi à Literária e disse eu vou ficar na Praça e a hora que eu fizer um sinal, os dois param, só assim que parou, porque os Padres estavam muito irritados, então tínhamos que parar.
Eu freqüentava a casa da Dona Chiquita e Darcy era garotão, pouco mais novo que eu e nós íamos à chácara, que eles tinham lá em cima, onde hoje é o recinto que foi da festa do vinho, atualmente da Expo floral e lá dentro era o casarão, então nós fazíamos as fantasias pras crianças, íamos às fabricas pedir tecido. Mamãe costurava então ela fazia as fantasias pra todos nós, a minha ficava por ultimo, sabe como é casa de ferreiro espeto de pau e o Dr. Julio ficava desesperado porque ele queria que o bloco do São Paulo saísse antes que o da Literária e sem eu ele não queria, porque eu animava então ele me buscava em casa, mamãe estava acabando a fantasia no meu corpo.

Assim foi minha juventude, eu fui muito extravagante, pra dançar e não perder nenhum baile e desfile eu não me alimentava, eu mentia que comia e não comia. Naquele tempo, os rapazes não tinham dinheiro pra comprar cerveja e nós muito menos, eu ia ao bar e pedia uma pedrinha de gelo e punha na boca, o corpo todo suado e então tive um problema no pulmão, o Dr. Julio diagnosticou pleuris seca, na época era muito difícil acontecer isso, mas não era contagiosa. Eu sofri uma operação, quando isso me aconteceu devia ter uns 19 anos, fui me tratar em São Paulo, no hospital Jaçanã. O Darcy Penteado ia me visitar, ele estava começando com os bonequinhos, as marionetes.
Aí me recuperei, voltei pra São Roque. Estava estreando os trens elétricos, o branco e o verde, meu irmão foi nos buscar na Estação Sorocabana, voltei de trem pra São Roque, mesmo com muita dificuldade de dinheiro pra vir de primeira classe, devido ao meu estado conseguimos vir na primeira classe.
Na minha volta, mamãe pôs flores, almofadou as cadeiras da casa pra eu sentar, meus amigos, hoje todos falecidos Janete Pontes e outros todos me esperando em casa, mamãe fez bolo de fubá, café. Depois pra eu me recuperar fui tomando leite de cabra, ovo quente botado na hora, tudo pra eu me fortalecer e me curar, estava surgindo o Toddy e meu irmão trazia de São Paulo pra mim também.
Após um tempo mamãe ficou doente e eu tomei conta dela, até morrer. Daí fiquei com os irmãos, que vinham almoçar comigo aos sábados e domingos.
Da Pça dos Expedicionários fui morar na Rua Doutor Stevaux, onde hoje tem uma loja de bolsas, era um Casarão.
Ali Sinésio casou-se e foi morar na casinha lá da Pça. dos Expedicionários,  onde Maria Augusta teve o Glauco e a Gislaine, o Gladston ela já teve  em outra casa.
Eu era mulher feita, mas nova ainda, com 25/30 anos mais ou menos nessa época.
O Darcy Penteado ainda morava aqui, numa casa próxima à Igreja da Matriz, ele tinha dois irmãos, o Dirceu e Ismaelito, todos já morreram. Ele foi embora pra São Paulo, por volta de 1947, mas aqui em São Roque ele já tinha uma atividade artística, estava começando a fazer marionetes, aí foi pra São Paulo e lançou um livro, hoje não sei onde está, pois como mudei muito de lugar, não sei onde foi. Ele lançou o livro na Rua Augusta, eu fui e ganhei um com dedicatória. Glauco me fez ir, porque fazia tempo que eu não via o Darcy. No lançamento desse livro ele já estava se projetando e bastante. Ele vinha sempre pra São Roque, mas depois que começaram a fazer brincadeiras devido a ele ser homossexual ele não veio mais. No livro que ele me deu com dedicatória, escreveu: “A minha amiga Dirce, de infância, hoje um homem desiludido”.


                                          Darcy Penteado- foto do acervo de Luis Guilherme Campos de Oliveira

No São Paulo Clube eu só dançava com ele, swing, rumba e samba ou valsa, a valsa  que nós dançávamos faziam roda pra nos assistir e nós no meio. Éramos muito amigos, a decoração dos bailes nós é que fazíamos, íamos ao mato pegar galhos de arvore secos, pra decorar o baile do algodão, grudávamos algodão nos galhos com cola de farinha de trigo, grude, fizemos cinco árvores o Baile Branco.
O baile da Primavera fazíamos flores, chorão, com embolador e espiriteira pra fazer as pétalas, arame, precisa ver que beleza!  Outro, o Baile Chita os vestidos eram de chita, que era e é um tecido bom e para os homens a gravata do mesmo pano dos vestidos, na entrada cada rapaz comprava uma gravata pra dar um rendimento pro clube e ajudar a pagar o Jazz Band, onde tocavam: Vasco Barioni, Oswaldo Pierino, Ernesto Gallo, e outros, era uma beleza.

Baile da Primavera 1957
Sociedade  União Literária
Foto do acervo do grupo/SOS Patrimonio Historico de Sao Roque(facebook)
                                    
Uma ocasião fizemos o baile pros Pais, os filhos dançando com as mães e as filhas com os pais. Eu dancei com Totó de Oliveira, porque meu pai já havia morrido e meus irmãos deveriam dançar com mamãe, mas ela dançou com outros e assim eram os bailes.
                  Baile da Primavera no São Paulo Clube -Outubro 1951 - foto do acervo Dirce de Paula Santos

Da cidade alem dos clubes, tinha a casa do Barão de Piratininga, era onde recebiam os artistas, que vinham se apresentar na cidade, a mulher do Barão é que os recebia, uma ex-escrava do Barão de Piratininga, que teve filhos com ele. O lustre da sala era de bonequinhas vestidas com a roupa da princesa Isabel. Tinha um banco em que morreu o Barão, eu deitei nesse banco.
Lá teve escravos, o fogão era enorme, com um tacho, o pilão onde socavam arroz.
Eu ia muito lá, as escadas largas, a gente subia e a escada rangia, eu tinha amizade com os netos dessa mulher e ia lá tomar café. E teve uma das filhas Carmem, que se casou com o Mario Verani, tinha também as irmãs Consuelo e a Lindalva.



                                                      Casa do Barão de Piratininga (demolida por volta de 1970).
                                                        Foto do acervo  de Luis Guilherme Campos de Oliveira

Os artistas vinham apresentar peças de teatro, cantar, fazer shows, no Cine São Jose e se hospedavam lá, a Maria Della Costa, Agostinho dos Santos, Hebe Camargo veio aqui também, cantar, ela era morena, no inicio de carreira. Não sei por que ela nunca citou esse pedaço da vida dela. Ela quis tomar vinho do tonel, e como eu era amiga da família dos Foroni, que tinham adega, então fomos, Eu, a Odete Mendes, o Darcy levar Agostinho dos Santos e Hebe Camargo pra tomar vinho do tonel.
Eu ia às Festas do Vinho, era gostoso, na época começou a se usar calças compridas que eram largas pra ir a locais de terra, sitio, então eu ia também na moda. Tinha barraquinhas onde davam vinhos pra experimentar e eu gostava principalmente os doces, tinha pinhão, pipoca, pé de moleque e o palco onde se apresentavam os conjuntos, cantores.

                                                 foto: acervo do grupo do facebook/SOS Patrimonio Histórico de São Roque 

Com o tempo a Festa foi ficando muito cheia, as pessoas vinham de trem, muita gente, não tinha controle, nem estrutura pra receber mais e acabou, que pena!

Carnavais

O carnaval é que era coisa de louco, nossa! Tinha a fantasia dos Clubes, que vestiam no primeiro e ultimo dia, o São paulo e a Literária também, nos outros dias cada um ia como queria, de cigana, rumbeira, que deixava um pedaço da perna aparecendo, nossa era meio escandalosa na época. Tinham os aperitivos de carnaval, dávamos esse nome, toda semana a gente se reunia pra organizar e acabava dançando. O carnaval era uma beleza, havia carros alegóricos, mitos, tanto a Literária como o São Paulo faziam e quem ia nos carros eram: Odetinha Mendes, Clari de Lima, elas punham fantasia de Colombina, alias Pierrô e Colombina era o que mais tinha e era muito alegre.

As Festas de Agosto tinham barracas das bonecas que as pessoas escolhiam pelos vestidinhos, que eram uma beleza. Eu participava carregando o andor, quase 50 anos, ia embaixo do andor. Eu sou católica e a família toda é. 


foto do acervo de Emir Bechir- http://searadionaotoca.blogspot.com/
A moda da época, a gente não saía sem meia de seda, não usava calça comprida, eram vestidos de chita, as calcinhas eram feitas pelas mães, mamãe fazia as minhas com botõezinhos laterais.
As roupas eram feitas pelas famílias, mamãe fazia pra fora porque encomendavam e eu servia de modelo, então as clientes davam tecido a mais pra ela fazer pra mim também, porque a vida estava difícil, e então mamãe bolava uns modelos e as outras copiavam. De uma farda do meu irmão, verde escuro, um tecido bonito e ela fez pra mim um modelo russo com botões dourados da própria farda, ficou lindo, eu lançava moda.
Eu ia comprar botões, aviamentos, renda. Na época usávamos tafetá, Ana ruga e as lojas que existiam - Casa Assumpta e Pontes e a do Renaldo Verani, atrás da igreja.

No dia a dia a gente vinha dar volta na Praça, os rapazes ficavam todos em volta e nós de braços dados passeando no meio, quando queria flertar, tirar linha, como a gente falava, os rapazes olhavam e se os dois queriam, iam ao Jardim (Praça da Republica) pra conversar e  depois ia embora pra casa. Naquele tempo não tinha perigo. Minhas amigas moravam de um lado diferente que eu, como elas queriam andar mais um pouco, todas me acompanhavam, eu chegava na esquina, tinha medo, tinha uma luzinha e gritava Mamãe! Ela saía na janela.
Vínhamos no cinema às quintas feiras, que era mais barato, no Cine Central, os filmes que me lembro são:, Ponte de Waterloo, Éramos Seis, Vitória Amarga, com Clark Gable, Tirone Power, lindos. Eu tinha as fotos deles, o Bonini, dono do cinema, me dava as fotos, eu formei um álbum, era moda, mas sumiu também.


                                     Antigo Cine Central- foto do acervo de Luis Guilherme Campos de Oliveira

Depois que mamãe morreu, eu trabalhava em casa, dona de casa, fogão a lenha, depois a carvão, depois de querosene, fumaça e cinza, não tinha toca nada.
Meus irmãos trabalhavam em São Paulo e aos domingos reuniam lá em casa. A Odete mulher do Tibério ficou boa e nos mudamos pro casarão da Rua Dr. Stevaux, onde ficamos uns tempos.

Depois de tanta mudança, já na década de 1970, com uns 40 anos, fui pra São Paulo porque as meninas foram estudar ( Betinha, Gislaine e Ângela), então fui pra tomar conta delas. Foi aí que dei meu grito de independência, fiquei livre, porque meus irmãos não me davam folga. Morei no prédio do lado da Gazeta, mas ainda estavam fazendo a segunda pista da Avenida Paulista.
Quando voltei pra São Roque, aluguei esse apartamento pra eu morar.
Atualmente, quando saio, vou a Sorocaba na casa da cunhada Odete ou da sobrinha Tânia. Aqui eu visito a Iris Barioni, a Ilca, Irani. Encontramos na praça, conversamos, vamos ao supermercado. É isso me considero feliz, Estou bem!

Nota: A parede da sala do apartamento da Dona Dirce é cheia de fotos. Tem uma janela imensa por onde entra muita luz e podemos ver uma paisagem privilegiada, ainda.  Avistamos a casa do Sr. Jorge Martins (um intelectual importante na cidade, outra personalidade a ser pesquisada).
Parece a casa de uma pessoa jovem, que aos quase 90 anos, é como ela se sente, por sua alegria de viver.
                                                          Denise Boschetti - Julho / 2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentem e também postem seus depoimentos... siga o roteiro sugerido...